É de repente que se sente.
Mas a sensação já vinha de antes, como a água do mar vai invadindo a areia, onda após onda, e depois de uma seqüência de ondas parecidas uma vaga te pega desprevenido deitado na beira da praia, onde durante muito tempo esteve seco, seguro. Essa sensação de absurdo, de insatisfação… acordei uma manhã sentindo – enquanto dava as primeiras piscadelas no silêncio da casa vazia, ouvia o barulho dos cílios no travesseiro dobrado e meu corpo pensava se queria continuar ali e tentar dormir mais um pouco – esse vazio todo, que, naquela hora, experimentei, sensações me invadindo, e vi, pressenti na imagem de um homem.
Algumas imagens e sensações surgem e persistem, outras emergem e segundos depois já mergulharam de volta, deixando apenas os vestígios do mergulho.
Outras vão aparecendo .. dias, semanas, anos seguintes, acionadas por ações, falas, cheiros e outras imagens. Elas estão na memória, essa que é minha, mas cujo acesso não é livre.
Evoco uma palavra que persiste em meus pensamentos por estar relacionada ao tema que escolhi e, também, ao próprio ato de criar. A idéia de entre-lugar que está no “agora” e muito além.
Sua correspondência espacial – um lugar entre-lugares não necessariamente palpável na realidade sensível, uma passagem, um intervalo; seu caráter temporal – onde o tempo é aquilo que se sente.
Estou em um entre-lugar – espaço abstrato da criação. Muitas vezes, também penso nessa palavra quando tento apontar para onde o lugar e o seu oposto se interpenetram.
Na confusão dos dias de hoje, tão óbvia, tão citada, essa sensação de não se saber onde está.
Lugares que não mais se referem aos espaços, territórios, àquilo que é corpóreo ou material.
Transmissões eletrônicas que preenchem a idéia de um território representado com imagens, como nos modelos matemáticos.
Cidades construídas por pontos, efemeridades.
Memórias desatadas de corpos.
Afetos desenraizados.
O lugar que já não é, pois os que o habitam não materializam sua idéia, não mais se relacionam com o território, com seus vizinhos, com os outros. Paisagens povoadas por invisibilidades, rapidez, olhares desviados.
A percepção geral de que algo desapareceu, ruptura causada por rápidas oscilações, a memória social que vai esmaecendo no barulho urbano.
Essa bipolaridade entre o que nunca é apagado e o que não se realiza totalmente, entre o que traz consigo um sentido, uma identidade, e o que não se liga a nada, pois tudo se passa ali – velocidade.
Entre os pólos está novamente essa palavra – entre-lugar – esse intervalo por onde vaga o exilado.
O Homem sonha.
Não é um sono tranqüilo, é um grito, e o eco ultrapassa fronteiras do sonho.
Ele está andando por um descampado e vê a Mulher.
Aquela que é uma, duas, aquela que chora e que ri, olha ao mesmo tempo para frente e para trás.
Ela ri e diz: O que você esperava?
Ele responde: Quero de volta tudo o que te dei, fiquei vazio… sem onde…estou exilado em mim mesmo. Tudo parece estranho, não há nada que eu possa abraçar.
Elas dizem: As coisas só podem ir em frente. A profundeza é a maior das alturas.
Ele foge e acaba encontrando-se com uma estranha alegoria que lhe entrega um bilhete, e sem que se possa ler o que está escrito, o sonho termina, e a cidade amanhece.
O homem está sentado à beira de sua cama, mas, dessa vez, seu olhar está diferente, indicando que muitas coisas foram reveladas.
A História da História
Em 2004 ao participar do 3º Festival Nacional de Cinema e Vídeo Ambiental (ECOCINE), Célia Harumi Seki e Alessandra Brum receberam, ao vencer na categoria de melhor vídeo com tema ligado à água com o vídeo “Brincando de Gente Grande”, o prêmio de 10 latas de filme 16mm da empresa Kodak do Brasil e R$ 6.000,00 em aluguel de equipamentos de iluminação da empresa Quanta Lightning Equipamentos Cinematográficos.
A partir desse incentivo surgiu a intenção de realizar dois curtas-metragem, um com direção de Célia Harumi Seki e outro com direção de Alessandra Brum e Sérgio Puccini, dividindo o prêmio recebido entre as duas produções e assumindo todos os outros custos das produções. A intenção inicial era produzir e finalizar os curtas em película 16mm.
O curta-metragem “Voltei para buscar os bolinhos” foi dirigido por Alessandra e Sérgio e Célia Harumi respondeu pela assistência de direção. Os três realizaram a produção executiva dos curtas que foram filmados com o intervalo de um mês entre cada produção. A equipe técnica foi praticamente a mesma para os dois curtas. Este projeto contou com um elenco de renome na área teatral, bem como uma equipe técnica composta por profissionais e pesquisadores das áreas de cinema, vídeo, teatro e dança. A maior parte da equipe trabalhou como iniciante nas funções desempenhadas na realização dos curtas-metragem, por exemplo: o Diretor de Fotografia, já havia desempenhado esta função em outro suporte – o vídeo, ou em película 8mm -, mas nunca havia trabalhado como Diretor de Fotografia em um filme de 16mm. Esse foi um fator considerado totalmente positivo, pois de uma equipe com estas características o empenho de pessoas que querem mostrar um bom trabalho em uma função que sempre desejaram desempenhar foi essencial e trouxe à etapa de produção/ execução a força e a qualidade de quem acredita verdadeiramente no projeto. Além disso, é necessário ressaltar que devido à dificuldade em conseguir patrocínio, toda a equipe concordou em trabalhar de forma voluntária.
O curta-metragem “Voltei para buscar os bolinhos” foi inteiramente filmado na fazenda Santa Eliza, onde fica o Instituto IAC de Campinas, utilizando somente cenas externas. Esse curta metragem foi finalizado em 16mm com sucesso, apesar das inúmeras dificuldades enfrentadas.
Assita ao curta-metragem:
O curta-metragem “Histórias de Concreto” começou a ser filmado cerca de 3 semanas depois. Além do prêmio, a produção pode contar com apoios de instituições como a Rádio eTV Unicamp, com o Departamento de Cinema do Instituto de Artes, com o Parque Ecológico Emílio José Salim de Campinas e com a Prefeitura de Campinas. Além dessas instituições, também contou com o apoio de empresas do setor privado, através de permutas de alimentação e o apoio especial dos moradores do edifício Progresso, no centro da cidade, locação principal do curta-metragem.
Essa produção objetivou principalmente a experiência e o processo do fazer artístico, dando suma importância à questão da autoria, bem como à experimentação e desenvolvimento da linguagem audiovisual.
A história abordada no filme é ambientada na cidade grande, no espaço urbano. O objetivo central foi o de trabalhar com as idéias de impossibilidade, de afastamento, de falta de perspectivas decorrentes da vida urbana, sua fragmentação e fugacidade.
A concepção de direção pensada para este curta-metragem planejou o uso freqüente de planos longos, sempre utilizando tripé ou trilho, usando o recurso de câmera na mão em uma única cena. Trabalhou também com a idéia de uma narrativa que visava estimular a participação do espectador com suas experiências singulares.
Devido a mudanças e falência da maioria dos laboratórios que finalizavam filmes em 16mm, ficou impossível a finalização nesse suporte. Além disso os efeitos que foram aplicados (como na cena das duas mulheres) encareceria muito o processo. Por isso o curta-metragem foi finalizado em formato digital.
(todas as fotos de Gui Galembeck)